Beto Albert (Arquivo/Diário)
Recentemente, um levantamento feito pelo jornal digital Poder 360 trouxe dados que mostram que universidades federais brasileiras gastam, em média, R$ 52 mil por ano para manter cada aluno. O ranking, que se baseia em dados do Ministério da Educação de 2023, coloca a Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) em terceiro lugar, com uma média de R$ 77,1 mil por aluno ao ano. A base de cálculos, entretanto, considera gastos previdenciários, o que acaba inflando drasticamente o valor. Novos cálculos feitos com base nos dados do governo federal, sem os custos previdenciários, e disponíveis no site da UFSM apontam outros números. Levando em consideração o orçamento de R$ 156 milhões previstos para a UFSM em 2025 e os 26.783 estudantes devidamente matriculados na universidade, o gasto anual seria de R$ 5.823,93 por aluno. Mesmo assim, o orçamento é dividido entre manutenção, assistências e despesas da instituição, o que deixaria o valor ainda menor.
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A disparidade entre os valores apontados pelo ranking e os dados reais da universidade se explica, em parte, por incluir na conta do “custo por aluno” despesas que não dizem respeito diretamente ao ensino ou à manutenção, como é o caso a folha de pagamento de servidores ativos, aposentados e pensionistas, que é contabilizada como um gasto da UFSM, mas não faz parte da verba disponível para a manutenção prática da universidade.
Para 2025, apenas para salários de cerca de 2 mil docentes e de 2.457 Técnicos-Administrativos em Educação (TAEs) ativos, a folha soma mais de R$ 800 milhões. Já em relação a servidores aposentados e pensionistas, o orçamento prevê o pagamento de R$ 500 milhões em 2025. Se somadas, as folhas passam de R$ 1,4 bilhão.
Outro aspecto importante desconsiderado no ranking divulgado anteriormente é que os alunos de ensino técnico, ou seja, do Colégio Politécnico e do Colégio Técnico Industrial, cerca de 4,5 mil atualmente, bem como os alunos de pós-graduação, 5,1 mil, não foram contabilizados. O reitor da UFSM, Luciano Schuch, reforça que, embora os cursos técnico e de graduação tenham diferença, o plano de carreira dos professores é o mesmo, e há manutenção desses locais e assistência estudantil para os alunos. Portanto, mais de 9 mil estudantes ficaram de fora do levantamento, que contabilizou apenas os 18,9 mil alunos da graduação.
Além disso, Schuch explica que há cursos que naturalmente são mais caros, visto que dependem de um laboratório maior, materiais e investimentos mais robustos. São exemplo: Medicina, Engenharia (Elétrica, Aeroespacial, Civil), Medicina Veterinária, Agronomia e Enfermagem.
– É difícil mensurar o investimento feito no nosso estudante. Nós temos 600 alunos de Medicina, mas, se você comparar os gastos que nós temos com a mensalidade de uma universidade privada, nós ainda pagamos muito mais barato, além de termos um hospital universitário vinculado, com uma grande infraestrutura. Para os cursos de Ciências Rurais, por exemplo, nós temos uma fazenda com 600 hectares, então, há um custo para manter essa estrutura. Só que para esses cursos mais caros nós recebemos mais dinheiro, visto que o orçamento é contabilizado com base no número de alunos e pelas áreas de ensino – explica o reitor.
Schuch destaca ainda que um dos principais problemas enfrentados pelas universidades no país está relacionado à evasão de alunos. Em 10 anos, a UFSM perdeu cerca de 6 mil alunos, conforme o reitor. Essa queda impacta também nos custos, visto que, mesmo com menos alunos em sala de aula "o salário dos professores é o mesmo, então, é claro que fica mais caro".
– Vou pegar como exemplo os cursos de licenciatura. Você vai estudar quatro ou cinco anos para se formar. Então, talvez você tenha um contrato de 20 horas com um salário-base baixo, ou seja, você vai precisar ter dois, três contratos para conseguir sobreviver. Vai trabalhar o dia inteiro, três turnos, para conseguir ter um salário um pouco melhor. Por que as pessoas vão querer fazer esses cursos? São vários cursos que acabam tendo pouca procura porque tem baixa empregabilidade, com salários baixos. Nós chegamos a ter 33 mil alunos, hoje, nós temos 27 mil – finaliza.
Como se divide o orçamento da UFSM
O orçamento da UFSM, estipulado em R$ 156 milhões em 2025, é o valor total destinado à manutenção da universidade, ou seja, que deve cobrir a segurança, a limpeza e a manutenção dos prédios, a energia elétrica, bolsas acadêmicas, eventos culturais e assistência estudantil. Conforme Schuch, esse "é o dinheiro que temos de verdade para fazer a universidade funcionar”.

Desse montante, cerca de R$ 36 milhões, conforme a Reitoria, serão destinados à assistência estudantil neste ano. Ou seja, a moradia dos estudantes, visto que a UFSM tem a maior Casa dos Estudantes da América Latina, com 1.353 de 2.113 vagas ocupadas. Também há custeio de alimentação, feita pelo Restaurante Universitário; auxílio financeiro, transporte e apoio a estudantes de baixa renda.
– A nossa assistência estudantil, hoje, é para manter os alunos (na UFSM). E temos que manter esse aluno de baixa renda, porque se não tem assistência, não tem porque existir sistema de cotas. Uma coisa está ligada à outra. Não temos como trazer um aluno de baixa renda de outra cidade para morar em Santa Maria se não darmos assistência para ele – destaca Schuch.
Além do valor destinado às folhas de pagamentos dos servidores e ao montante que ajuda na manutenção da universidade, é possível que emendas parlamentares, por parte de vereadores, deputados e senadores, além de recursos vindos da iniciativa privada para execução e desenvolvimento de projetos, sejam injetados na receita da UFSM.
O orçamento total previsto pelo governo federal, bem como os detalhes dos investimentos, está disponível neste site.
Impacto social e cultural
A UFSM também exerce um papel ativo na preservação cultural e na valorização da identidade regional. A universidade é uma das principais articuladoras do desenvolvimento cultural da Quarta Colônia, região reconhecida por ser um rico território da imigração italiana no Rio Grande do Sul. Projetos de extensão e pesquisa, como o Centro de Apoio à Pesquisa Paleontológica (Cappa), responsável por estudos científicos e ações educativas voltadas ao patrimônio natural da região, ajudam a mantêm vivas tradições locais e promovem o intercâmbio entre saberes acadêmicos e a comunidade.
O Hospital Universitário de Santa Maria (Husm), um dos pilares da assistência em saúde da região central do estado, faz parte da Rede de Urgências e Emergências da Região Centro-Oeste e oferece atendimento em mais de 44 especialidades médicas em seus 380 leitos de internação. Vinculado à rede da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh) e à UFSM, o hospital atende exclusivamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS), realizando consultas, exames, cirurgias e internações de média e alta complexidade. Além do atendimento à população, o HUSM funciona como um hospital-escola para cursos da área da saúde, como medicina, enfermagem, fisioterapia, farmácia e psicologia.

Outro destaque é o Hospital Universitário Veterinário (HUV), que está entre os maiores do país e é referência em diagnóstico, tratamento e ensino na área. Em 2023, o curso de Medicina Veterinária da UFSM foi apontado como o 4º melhor do Brasil pelo Ranking Universitário da Folha (RUF). A Faculdade de Medicina também se destaca, posicionada entre as dez melhores do país.
UFSM em território
A UFSM ocupa uma área de quase 2 mil hectares, ou 2 mil campos de futebol, com prédios de ensino, laboratórios, centros de pesquisa, áreas de preservação ambiental e estruturas voltadas à prática esportiva e cultural.
Além do campus-sede em Santa Maria, a UFSM possui campi em Frederico Westphalen, Palmeira das Missões e Cachoeira do Sul, ampliando o acesso ao ensino superior no interior do estado.

O que dizem os representantes de servidores e docentes
Seção Sindical dos Docentes da Universidade Federal de Santa Maria (Sedufsm)
Em relação à integração da folha de pagamento de docentes aposentados ao orçamento da UFSM, a Sedufsm, por meio da professora do curso de Dança-Licenciatura da UFSM e diretora da Seção, Neila Baldi, destaca que "as despesas com pessoal não incluem apenas gastos com “salários”, como são usualmente entendidos, mas também benefícios previdenciários pagos a servidores aposentados e, portanto, integram o orçamento do órgão de origem, isso não é diferente na UFSM. Os aposentados, inclusive, seguem contribuindo com a previdência."
Em abril de 2024, a categoria entrou em greve reivindicando o reajuste salarial de 22,71%, em três parcelas de 7,06% por ano. A paralisação durou dois meses, mas a Sedufsm alega que, até o momento, "boa parte das reivindicações ainda não atendidas". Uma das principais diz respeito à carreira docente, que "não têm impacto no orçamento atual e fazem parte de grupos de trabalho com o governo". Além disso, a categoria reforça que "na ocasião, não lutamos apenas pelos nossos direitos diretos, mas também por uma educação de qualidade, o que pressupõe a recomposição orçamentária das instituições de ensino federais, que vêm sofrendo redução nos repasses. este sentido, mais que liberação tardia ou em pedaços – com os constantes contingenciamentos – o que tem impactado é a não recomposição dos valores investidos anteriormente."
A categoria reforça que as limitações orçamentárias envolvem "um contingenciamento", ou seja, com os recursos sendo liberados aos poucos "e, muitas vezes, liberado de uma vez ao final do ano, com pouco prazo para o gasto e desqualificando seu uso", e que há um "desinvestimento, ao longo dos anos, na educação superior", o que impacta na "manutenção das atividades, em novos investimentos e na assistência estudantil".
A categoria também destaca a "pouca expansão de servidores" e que "muitos dos cursos criados no Reuni (Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais) até o momento não têm o quadro de pessoal completo, o que provoca que, em algumas áreas a sobrecarga de horas em sala de aula para os docentes que, para dar conta de ensino, pesquisa e extensão, acabam trabalhando muito mais que as 40 horas semanais. O resultado isso é um crescente adoecimento docente. Sem financiamento direto, muitos/as docentes buscam fontes de financiamento de pesquisa em agências de fomento, o que significa uma corrida a editais e uma lógica perversa de produtividade."
Portanto, a Sedufsm reforça que há sobrecarga em diversas áreas, o que gera um "adoecimento docente", e que em algumas áreas há perdas de docentes com dedicação exclusiva, ou seja, que procuram outra remuneração além da UFSM. Esse esvaziamento, segundo a categoria, "vai impactar sobretudo na pesquisa e na extensão."
Associação dos Servidores da Universidade Federal de Santa Maria (Assufsm)
Em relação aos servidores aposentados, a Assufsm reforça que "quando aposentadorias são tratadas como despesa "com pessoal", a tendência é restringir novas contratações, comprometendo a renovação da força de trabalho e a qualidade dos serviços", mas destaca que os aposentados não representam custo para as universidades. "Os servidores TAEs possuem regime próprio de previdência, para o qual contribuem durante toda a vida funcional, e a aposentadoria é custeada de modo solidário". Além disso, destaca que o salário dos "servidores ativos e aposentados injeta milhões de reais mensalmente na economia de Santa Maria."
A Associação também destaca que os últimos cortes reduziram o orçamento da UFSM "aos patamares de 2003", o que levou "à demissão de centenas de trabalhadores terceirizados que atuavam em funções fundamentais, como vigilância, portaria, limpeza e corte de grama" e que "a situação não foi revertida com o aumento do orçamento no governo Lula, já que os recursos disponíveis continuam sendo insuficientes para para manutenção."
Há também uma critica à Reforma Administrativa que "aprofunda essa lógica ao flexibilizar vínculos de trabalho, extinguir estabilidade e ampliar contratações precárias." Entretanto, a Assufsm reconhece que "mesmo com a precarização das condições de trabalho devido à escassez orçamentária e á falta de reposição de servidores por concurso em cargos vagos, os servidores TAEs mantêm a universidade em pleno funcionamento, muitas vezes, às custas de sobrecarga de trabalho, o que tem ocasionado o adoecimento físico e psicológico de muitos servidores."
Ainda sobre a Reforça, alerta que "a reforma administrativa representa um ataque à estrutura pública que sustenta o direito à educação superior gratuita e de qualidade."
Por fim, destaca que "historicamente, tem se posicionado em defesa de mais recursos para a educação, incluindo a contratação de servidores e verbas para a pesquisa, a manutenção da universidade, a assistência e a permanência estudantil e repudia cortes e contingenciamentos do já escasso orçamento da UFSM."
Diretório Central dos Estudantes da UFSM (DCE)
Em relação ao debate sobre o custo médio por aluno da instituição, o DCE reforça que "não se trata de um gasto, mas sim de um investimento". O Diretório reforça que 95% da produção científica brasileira é feita em universidades federais, conforme a Academia Brasileira de Ciências, e que isso "não é apenas um número, é o desenvolvimento do país."
Quanto à estrutura da universidade e o recurso investido nos alunos, o DCE considera que "deveria ser ainda maior" e que "é fato que a UFSM tem um dos maiores programas de assistência estudantil do país, mas é urgente avançar em qualidade. Ainda há muito a ser feito, por exemplo, em reformas das CEUs, ampliação dos blocos, em especial da CEU Indígena" e que "a luta pela assistência estudantil é a garantia da permanência".
A representação estudantil destaca a atuação da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) na "luta pelo orçamento das universidades" e que "a reitoria tem se movimentado para isso, o que é fundamental".